11 novembro 2005

Clã Pan (e a minha passagem pelo cancro) - A minha Insónia

Para quem nunca ouviu falar no Clã Pan eu explico: o meu grupo de excelentes amigos de faculdade (e de vida) é o Clã Pan, o grupo de pessoas que se recusa a crescer! Que mantém o seu estado de espírito de crianças com o que de melhor há nelas! Somos adultos, somos crianças! Foi graças a estes meus amigos que eu consegui passar pela fase mais difícil da minha vida até agora e nunca conseguirei agradecer o suficiente por me mostrarem que vale a pena estar vivo!




Nunca vou esquecer todos os finais de tarde em que me visitaram, todos os momentos em que não foram precisas palavras, todas as Quarta-feiras em que a minha vida deixava de ter sentido, e sentia as minhas forças a abandonarem-me... as Quartas-feiras eram as piores... ainda hoje tenho alguma dificuldade em lidar com esse dia... parece-me inútil e demasiado a meio de uma semana cheia de problemas!! Lembro-me perfeitamente de vários dias, talvez mais do que todos os outros, um em que não era eu... não sei, era outra pessoa qualquer e nunca me conseguirei desculpar do sofrimento que causei aos meus pais, onde disse coisas que nunca deveria ter dito, até porque não eram verdade, e onde na outra sala estava a minha namorada e o meu "irmão" (não de sangue) que me faziam pensar... lembro-me de um dia onde uma AMIGA (não simples colega) me visitou fora do horário de visitas na própria sala de tratamentos, e embora bastante "drogado" senti que a visita diária que me faziam não era simples rotina... lembro-me de um dia em que quis desistir e não acreditei em mim, em quem me apoiava, nos meus pais, no meu irmão, nos meus amigos... e uma visita fez toda a diferença, sei que lhe apeteceu bater-me, sei que eu estava a ser parvo, mas talvez não fosse eu a falar, uma visita que significou um acreditar... ela sabe e eu nunca lhe vou deixar esquecer isso... lembro-me de uma carta de uma AMIGA que me levou às lágrimas e que ainda hoje guardo e re-leio.... Lembro-me que sei o que é a amizade, lembro-me que sei que os amigos me mostraram a vida que ainda havia para viver, lembro-me que nunca senti verdadeiramente que estava sozinho. À minha familia, aos meus amigos, à minha namorada, devo o que sou hoje, bem ou mal, estou mais do que vivo!

Uma das coisas que mais me custou durante todo o processo foi cortar o cabelo que religiosamente deixava crescer à mais de 9 anos, nesse dia apeteceu-me chorar sentado na cadeira da cabeleireira...., do "longo" cabelo nasceram tranças que ofereci a várias pessoas (infelizmente o cabelo não dava paa todos os que queria) que guardarei para sempre no meu coração, a acompanhar cada trança estava um texto ao qual dei o nome de "A razão do Capitão" alusivo à história do Capitão Gancho que talvez um dia transcreva aqui, de qualquer das maneiras eles foram a minha insónia, foram eles que não me deixaram adormecer e me mantiveram acordado numa vida que eu acha que estava a dar trabalho demais a manter... Já passaram 3 anos... soube à dias que as análises de rotina continuam a empurrar-me para a Vida, falta-me saber um resultado apenas.... é estranho... sei que lidarei com isto toda a vida mas o espaço de tempo entre o momento em que faço os exames de rotina e o anúncio dos resultados é terrível! Não me consigo concentrar em quase nada, ando de mau humor, e quem leva com tudo isto? Aqueles que me fazem estar aqui... não consigo explicar!

Este post começou por ser apenas uma errata a ESTE post onde disse "para a minha colega", não é para a minha colega! É para a minha AMIGA! Amizades que não se estragam com meia dúzia de desentendimentos, amizades que ficarão para sempre no meu coração... olhem foi um desabafo! OBRIGADO A TODO O CLÃ PAN! .... ahhhh... está-me a saber bem escrever sobre isto!!!

Nunca me hei-de esquecer do dia da noticia que eu já esperava mas apenas tinha dito directamente na cara ao meu "irmão" ("Eu acho que tenho cancro", nunca me vou esquecer da maneira como ele não disse praticamente mais nada e "apenas" saiu um "não!" e um abraço!), um choque enorme para os meus pais... e o esforço para fazer passar que era uma situação normal, pegar no telemóvel, telefonar à namorada e dizer simplesmente "Olha já falei com o médico, tenho cancro e é maligno... agora? Agora tenho de fazer quimioterapia... sim estou bem!"... sentar-me no carro ao lado do meu pai, olhar para ele e ver que ele não conseguia fazer nada, limitou-se a pôr as mãos na cara e chorar enquanto eu tentava passar tranquilidade... nada como um passeio para fazer passar o choque inicial, e para que eles escondessem, aquilo que eu sabia que eles sentiam e me darem toda a força que uma pessoa pode desejar!

Houve um dia em que acordei com dores de cabeça horríveis (logo após o 1º tratamento)... a minha cabeça parecia que tinha agulhas, não sou capaz de explicar, parecia que me estavam a espetar agulhas com toda a força... ao passar a mão pela cabeça fiquei com a mão cheia de cabelos... acho que foi aqui que verdadeiramente me percebi do que se passava... não me esqueço da cara da minha mãe quando lhe implorei que fosse pedir à cabeleireira dela para me atender naquele momento sem marcação, nunca me hei-de esquecer o ar da cabeleireira quando me sentei na cadeira e lhe pedi para me rapar o cabelo... o olhar das outras pessoas que estavam no salão... todas elas sabiam o que se passava. Foi o ar dessas pessoas que me fez NUNCA me importar com a minha aparência (careca) apesar do olhar constante das pessoas na rua... nesse momento decidi que seria mais forte que isso e assumiria a minha doença sem nenhum preconceito!

Lembro-me de ver a volta à França em bicicleta na TV, enquanto continuava a soro, num quarto cheio de "velhos" com rostos que eu não fazia esforço para fixar, e olhar para Lance Armstrong... digam o que disserem, seja ele o que for... para mim estará como uma chama de esperança que me iluminava naquelas tardes, era dos melhores momentos do dia vê-lo ganhar etapas e lutar pela vitória final...

Este foi o ano em que fiz mais cadeiras na Universidade! Nunca deixei de estudar e no tempo em que não estava internado tentei manter a minha vida "normal", ia às aulas, nem ao meu jogo de Futsal semanal faltava... claro que com o decorrer dos tratamentos a minha condição física ia piorando mas todas as terças lá estava, jogávamos por entre alguns ataques de taquicardia aos quais o irmão da minha namorada estava sempre atento, sempre com o pacote de açucar pronto mesmo quando já nem eu me lembrava... para os meus "colegas" (AMIGOS) parecia que nada se passava, parecia que eles tinham mudado a sua atitude de uma imagem demasiadamente negra que se atribui ao cancro, sempre presentes mas nunca me fazendo sentir inferior, aliás puxando-me as orelhas bastantes vezes! A manutenção da minha vida "normal" foi um factor decisivo para não entrar em depressão e "demasiado" desencorajamento, e para isso (além de muito mais) tenho de agradecer à MINHA médica (espanhola por sinal!) e ao excelente pessoal da oncologia de Faro (aquela gente NUNCA estava triste e desanimada!)

Aconteceram muitos mais episódios que me marcaram, mas só agora reparo que o texto já está enorme... mas uma vez "aberto o livro" tenho a impressão que já não o fecharei! Voltarei a falar na Vida, na minha Vida em mais posts! ...perdoem-me o desabafo, mas acreditem que me fez maravilhas! Está na altura de mudar a atitude perante o cancro... ele existe e nós também, e connosco estarão sempre os nossos verdadeiros AMIGOS ("colegas") que não nos deixarão dormir! Serão sempre a nossa insónia!

7 comentários:

Anónimo disse...

Farpas, repara que este espantoso post, está sem comentários. Tenho a certeza que todos sentem como eu, ficamos sem jeito, que uma história destas não dá para se deixar nada em comentário… mas já te li algumas vezes, e esta última achei que não podia não dizer nada outra vez. Quando eu escrevi um post lá no meu estaminé sobre o cancro na mama e o medo que há quem tenha de fazer o exame, com o receio da resposta, tu disseste que tinhas uma experiência destas. Fiquei logo nessa altura muito impressionada.
Mas um testemunho como este é fundamental, farpas. Exactamente para vencer o medo. Porque estou convencida que o medo é o principal aliado da doença – quando se desiste de lutar, andam-se muitos passos para trás.
É claro que tiveste a sorte de teres esses amigos, mas creio que a maior sorte foi de seres quem és, de teres esse feitio, de teres resistido. E esta é uma guerra feita de muitas batalhas como todas as guerras, mas por aquilo que aqui li, tu tens as armas suficientes para ir ganhando batalha atrás de batalha. Até à vitória final, nesta guerra tão dura.
Sabes que depois de te ler, também fiquei tua amiga. Conta com mais uma. Um abraço.

Farpas disse...

Obrigado pelo comentário ML, sabes que eu sempre pensei que era muito "frio" pela atitude que tive perante a situação, muitas vezes perguntei-me se a vida me seria indiferente, ou se apenas não estava a compreender o que se estava a passar... ainda não sei bem!

Anónimo disse...

Posso dar a minha opinião. Não se chama "frieza" chama-se uma atitude de "defesa". Cada um de nós tem o seu mode de se defender dos pontapés da vida, e são todos eles diferentes, porque nós ( felizmente!) também somos todos diferentes. A tua "defesa" foi distanciares-te um pouco, tentar não te emocionar muito com a situação. Lá compreender compreendias, meu amigo. Nem também acho que a vida te fosse indiferente, muito pelo contrário, estavas era a procurar incosncientemente o modo de sofrer menos...

Anónimo disse...

Upss! Isto foi com gralhas e tudo, porque nem revi...
Mas dá para ler. Se a gente até lê com os algarismos no meio :)

Farpas disse...

Nunca tinha pensado nas coisas assim... mas és mesmo capaz de ter razão!!

Mr Kunami disse...

Acho que o post é um testemunho de vida excelente, dado por alguém que passou por um mau bocado devido à doença. Obrigado farpas pelo seu testemunho, tenho a certeza que vai fazer com que muitas pessoas na mesma situação não desistam de viver

Anónimo disse...

Farpas, já um dia tinhas aflorado a tua luta, no Afixe, num post que fiz sobre o Armstrong, lembras-te?
Já naquele dia me faltaram as palvras. E já naquele dia me sobraram as palavras. Porque não sei lidar nem com a falta nem com o excesso delas...um abraço amigo.Um abraço, amigo.

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